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25 anos de Friends: Fãs que nasceram depois da estreia explicam o sucesso da série ainda hoje

Conversamos com jovens fãs da série e com especialistas para entender melhor o sucesso contemporâneo da trama

Saulo Tafarelo Publicado em 15/09/2019, às 09h00 - Atualizado em 16/09/2019, às 10h54

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Os seis amigos de Friends - Reprodução/Warner
Os seis amigos de Friends - Reprodução/Warner

Aquele onde tudo começou  marca o início de uma das séries de maior sucesso da história da televisão americana e mundial. Este é o nome do primeiro episódio de Friends, que apresentou ao público as relações entre os seis melhores amigos mais amados da televisão: Monica (Courteney Cox), Rachel (Jennifer Aniston), Phoebe (Lisa Kudrow), Ross (David Schwimmer), Joey (Matt LeBlanc) e Chandler (Matthew Perry).

Durante dez temporadas, entre 1994 e 2004, a sitcom foi transmitida originalmente pela NBC e mostrou a relação entre os personagens principais de vinte e poucos anos que moram juntos e dividem seus afazeres, amores e a vida cotidiana entre si. 

Recheada de um humor leve e com episódios que duram em média trinta minutos, a série terminou em 6 de maio de 2004 e, de acordo com a Reuters, o episódio final foi visto por mais de 51 milhões de norte-americanos no momento de sua exibição. Este foi o quarto episódio final de uma série mais visto na história da televisão e, mesmo 14 anos anos após seu fim, a trama continua fazendo um estrondoso sucesso entre os jovens das gerações mais atuais.

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Adolescentes que nem eram nascidos na época de sua exibição original já viram e reviram a série, que está disponível na íntegra no catálogo da Netflix. É o caso de Juliana Ribeiro, estudante de medicina de 22 anos que assiste Friends desde 2012 e que conta ter um vício pela trama. “Faz 7 anos que assisto pelo menos um episódio da série por dia”, revela. 

O encanto de Juliana pela série se dá pela sua leveza, além do seriado servir para ela como um conforto. ‘’Por mais que seja uma série mais leve e bobinha, consegue me fazer rir sempre. É algo que me anima e me deixa mais feliz’’, diz a estudante. 

Assim como ela, a estudante de pedagogia Emilly, de 20 anos, tem apego pelas amizades e pela união dos protagonistas. “Acho que é uma comédia super saudável e me encanta o fato da amizade entre os seis protagonistas perdurar tantos anos’’, comenta. 

Proximidade e cotidiano

De fato, o espírito familiar e o dia a dia ao lado das amizades são aspectos que aproximam o telespectador de Friends, projetando aquilo que todos queríamos, como afirma Raphael Fernandes, estudante de jornalismo de 20 anos que levou cerca de 3 meses para maratonar a série em 2016. “Penso que todo mundo gostaria de viver aquilo que a série retrata, estar sempre próximo dos amigos e poder vê-los todos os dias.’’

De acordo com Luís Mauro Sá Martino, mestre em Ciências Sociais, o êxito de Friends se dá por seu caráter próximo.“Friends conseguiu o sucesso usando uma fórmula que é das mais simples: mostrou problemas de todo mundo, problemas comuns. Problemas que não estão ligados, por exemplo a um super poder que a gente não teria’’, constata o teórico. 

A estudante de odontologia Nathalia Andrade, de 20 anos, assume que a série sempre toca em situações pelas quais está passando. ‘’Gosto do fato de que, sempre que estou triste ou feliz, algum episódio me acolhe e fala de assuntos parecidos com os quais estou passando. Nunca me sinto sozinha em passar por determinadas situações”, afirma.

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A identificação com a série é um dos fatores mais fortes em Friends, “muito raro em séries’’ segundo Luís Mauro, e que faz com que os adolescentes de hoje se sintam até integrantes da narrativa. “Acho os capítulos super envolventes principalmente pela química entre os atores, o que faz me sentir como se fosse parte da história e conhecesse tudo o que está acontecendo’’, complementa a estudante Emilly. 

A fórmula, tida como simples e certeira pelos estudiosos, não tem uma narrativa presa em um tempo específico. “É uma fórmula que funciona bem pois transpassa as questões momentâneas, trazendo uma universalidade maior, na qual as pessoas conseguem rir de si mesmas’’, acrescenta Luís Paulo Piassi, professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP e orientador em Estudos Culturais na mesma instituição. 

Nem só de momentos bons os amigos vivem... Algumas brigas também foram exibidas na série, mas com o bom humor de sempre (Reprodução/Warner)

A jogada da Netflix

Mas será que apenas o caráter cotidiano e a identificação com a série fazem dela um hit global?  Luís Mauro elenca algumas suposições:  o roteiro bem amarrado, o elenco bem entrosado, uma produção boa, o timing das situações entremeado com situações de humor, o momento de estreia são alguns dos fortes elementos técnicos que fazem de Friends uma das maiores séries de sucesso do mundo. 

Um levantamento do aplicativo TV Time divulgado em novembro de 2018 revelou que Friends foi o seriado mais revisto e “maratonado” de 2018 - pelo terceiro ano consecutivo até então. A série ficou na frente de Grey’s Anatomy, trama norte-americana também muito popular entre os jovens que teve início um ano após o fim de Friends

Finalizada em 2004, os episódios da sérieainda eram retransmitidos diariamente no canal a cabo da Warner no Brasil ao longo dos anos, até que uma mudança tecnológica na vida das pessoas veio para ficar. A nova geração assiste Friends dentro de uma lógica diferente dos anos 1990 e 2000: o streaming também deu o caráter de expansão do sucesso e do engajamento com a série, que possibilitou que as pessoas assistissem ao seriado em qualquer lugar a qualquer momento. Segundo Luís Mauro, “é uma sacada fenomenal, pois assim atinge-se um público novo.’’

De fato, o streaming conseguiu fazer com que o entretenimento fosse dinamizado, quebrando as barreiras de horários e lugares definidos. Sem um horário fixo na grade de televisão, a estudante de odontologia Nathalia Andrade, de 20 anos, costuma assistir os episódios da série durante a noite, antes de dormir, assim como Juliana e Raphael. Para estes jovens, assistir Friends está ligado a uma pausa no dia a dia, gerando efeitos de descanso e tranquilidade. 

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Auxiliada pela facilidade da plataforma, Emilly ajustava seus horários para dar aquela conferida na série. “Costumava assistir a série quando estava a caminho da faculdade, e depois a caminho do trabalho, na volta pra casa e no horário de almoço’’, constata a universitária. 

Atrelando o caráter leve e tranquilo da série, Juliana Ribeiro diz que dá play nos episódios enquanto realiza outras tarefas diárias. “Como eu já sei quase de cor, eu não preciso prestar tanto atenção, então muitas vezes eu estou fazendo outras coisas no meu dia e deixo como pano de fundo, porque eu gosto de ouvir, gosto de ver que está ali.’’

Cultura popular e memes

Muito do êxito da série decorre também das redes sociais, as quais acabam por fazer surgir o fenômeno da viralização. Segundo Luís Paulo Piassi, o que ocorreu com Friends recentemente foi uma retomada de seu sucesso.

“A partir dos anos 2000, com a internet e com o advento das redes sociais mais para o fim da década, tem-se o fenômeno da viralização que foge dos canais tradicionais de comunicação”, diz o professor. Isso acaba então gerando uma tendência que se prolifera de maneira viral e virtual.

Assim, de acordo com o mestre em Ciências Sociais Luís Mauro, as produções culturais passam por processos de estouro e de saturação. “Há o momento do estouro, passa-se então por um período de esquecimento, pois [a produção] fica saturada e em seguida é recuperada.”

Quem nunca repetiu um bordão do seriado ou não se deparou rindo com memes derivados de Friends que atire a primeira pedra. Grupos especializados no Facebook possuem milhares de integrantes que interagem todos os dias e que fortalecem a fã base dos seis amigos que moram em Nova Iorque.

Para se ter uma noção, o grupo fechado no Facebook chamado Fã de F.R.I.E.D.S Brasil possui mais de 107 mil integrantes, enquanto o Friends Memes possui mais de 30 mil curtidas.

Um dos exemplos de momentos mais icônicos da série que viraliza até hoje é a canção Smelly Cat, cantada por Phoebe em um dos episódios. 

Netflix X Warner

Em meados de 2018, informações de que Friends seria retirada do catálogo da Netflix em 2019 assustaram tanto os jovens fãs da série que eles se mobilizaram a ponto de pressionar a Netflix para que a deixasse intacta em seu catálogo. 

Dito e feito, o jornal The New York Times teve acesso ao acordo entre a Netflix e a Warner e o preço pago pela plataforma deixou todos de cabelos em pé. Segundo o acordo, a Netflix pagou US$100 milhões de dólares - aproximadamente R$406 milhões em valores atuais - para que Friends ficasse no catálogo do streaming em 2019. 

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O poder que o jovem fã tem de persuadir as empresas para que seus gostos prevaleçam é gigante. “Quando você é fã de alguma coisa, algum engajamento te provocou. Essa é uma das razões pelas quais o engajamento do fã é um algo super forte’’, conceitua Luís Mauro. 

Discussões contemporâneas: machismo, homofobia…

Para além do uso do humor e da ambientação aparentemente familiar, a série também possui algumas discussões contemporâneas em seu conteúdo, a exemplo de falas e gestos tipicamente machistas e homofóbicos.

Chandler é um dos personagens que mais possui tiradas consideradas homofóbicas na série, uma vez que seu pai é apresentado como uma drag queen na série e ele não possui uma aceitação clara quanto a isso. 

‘’Hoje, lemos a série com os olhos de 2019, e fazendo essa leitura, podemos ver que algumas coisas que eram legais ou até mesmo engraçadas têm sido questionadas’’, afirma Luís Mauro, mestre em Ciências Sociais Aplicadas. Para ele, é válido que haja essas discussões, mas em dois pontos distintos: o da observação da mudança de mentalidade e também da problematização.  

Chander em uma cena junto de seus colegas Ross e Joye. Ele é um dos personagens que tem mais tiradas consideradas homofóbicas (Reprodução/Warner)

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“Aquilo que é engraçado e cômico e passava batido nos anos 1990 agora não passa mais. Podemos olhar para isso agora e falarmos que houve uma mudança de mentalidade, entendendo isso como uma mudança histórica’’, diz o docente. Além disso, “é legal que a gente veja a série também para problematizar, perguntando-nos ‘será que ainda hoje tem gente que vai achar esse tipo de humor ou comportamento legal?’’’, indaga. 

Não alheios às discussões modernas, as gerações mais jovens têm acompanhado isso com discernimento e com senso crítico. “Essas discussões são super válidas e ressaltam o quanto nosso pensamento crítico tem evoluído em relação às gerações anteriores. A ideia de respeito como base dos nossos relacionamentos é algo que deve ser desenvolvido’’, afirma Emilly. Já o estudante Raphael faz um alerta: “Muita gente pequena começa a assistir a série e precisa entender a gravidade de certos assuntos.’’

Apesar de Friends carregar marcas de seu contexto da época e de fazer piada com assuntos delicados, a série também teve um papel importante na introdução de assuntos importantes, como constatam os estudantes. 

Algumas questões consideradas feministas também estão presentes na série. (Reprodução/Warner)

Para Nathalia, a forma como Friends relatou assuntos polêmicos foi de suma importância, ao trazê-los de forma “leve e engraçada’’ para as telas. De acordo com Juliana, a série foi até progressista em certos pontos e cita um exemplo. “Logo no primeiro episódio a mulher que é casada com o Ross se assume como lésbica, então acho algo muito bem abordado’’, afirma. 

Segundo Luís Mauro, se formos analisar alguns aspectos dos anos 1990, talvez a série tenha voltado para nos dizer alguma coisa.